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quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Rápidas palavras sobre 'Pulse', de Kiyoshi Kurosawa


Vivos ou mortos? Unidos ou separados? Sozinhos ou ao lado de todos aqueles que habitam este planeta? Kiyoshi Kurosawa parte dessas indagações para realizar um ensaio fantasmagórico sobre a globalização, a vida moderna e toda a sua maravilhosa parafernália tecnológica. Logo, Pulse (Kairo, 2001) é um filme - e que filme! - que mostra a que tipo de imortalidade estamos destinados (a virtual), mesmo que há muito, por ao mesmo tempo vivermos tão "próximos" e tão distantes uns dos outros, estejamos mortos), isolados em nossos quartos (como eu neste exato momento), navegando na internet e usando nossos celulares. A incomunicabilidade às vezes fala mais alto e toma conta da gente como um vírus.

obs.: há uma versão estadunidense feita em 2006, que eu conheci bem antes de assistir ao orginal. Não tenho boas lembranças.

domingo, 25 de novembro de 2012

Sobre 'O pântano', de Martel


Durante muito tempo fui indiferente ao cinema de Lucrecia Martel. Lembro que minha primeira experiência com a diretora argentina ocorreu há uns dois anos e que o filme daquela oportunidade foi A mulher sem cabeça, o qual - confesso - nunca digeri muito bem. Mas como a distância temporal é consideravelmente grande, principalmente em se tratando de algo tão denso, só poderia falar com propriedade a seu respeito caso revisasse-o. Por outro lado, afirmo que O Pântano (La Ciénaga), seu trabalho mais famoso, é uma obra-prima. Aqui, a câmera é elevada à condição de personagem e tem como único e fiel ofício realizar uma pontual exposição de elementos do cotidiano de duas famílias - unidas pelo laço de parentesco entre suas mães. Não há em La Ciénaga um ponto de partida e um fim, pois aquilo com que mantemos cerca de 100 minutos de contato não se resume a um recorte de determinado momento das vidas de suas personagens. O que está bordado em tela não é uma história, e sim a pura reprodução daquilo que acontece dentro de um lar. Martel, sobriamente, nos empurra para dentro daquelas vidas e coloca sobre nossos ombros de espectador-testemunha o peso de toda a morbidez e falta de norte do material humano sobre o qual se debruça. As casas onde ocorrem a maioria das ações estão sempre cheias e há sempre muito barulho, discussões, calor etc. As atuações, de todos os atores (inclusive as das crianças), fluem de uma maneira tão perfeita que às vezes nos dão a impressão de que estamos na residência de um amigo no momento em que uma desconcertante discussão com a mãe ou com a mulher deste é iniciada e nós apenas observamos aquilo com respeitável rigidez. Martel não nos conta nada, apenas, de forma absurdamente eficiente, orbita ao redor daqueles corpos, ou melhor, da vida como ela é.

domingo, 29 de julho de 2012

Eaten Alive


Eaten alive (Eaten alive, 1977) é um curioso filme (esquecido por muitos) de Tobe Hooper, inicialmente famoso por seu O massacre da serra elétrica (The Texas chain saw massacre, 1974).

Neste sucessor, Hooper conta a história de um serial killer que gere um lúgubre hotel e mantém um crocodilo de estimação ao qual joga os corpos de pessoas que ele mesmo mata. Eaten alive carrega uma angustiante atmosfera tomada por barulhos estranhos e intensa névoa. O clima macabro sufoca e faz da presença do réptil gigante o ponto de maior impacto de toda a  insanidade que é exalada por uma projeção em que as atitudes de um maníaco - interpretado por Neville Brand - ditam o ritmo.

No início, uma jovem prostituta não aceita ir para a cama com um sujeito chamado Buck (Robert Englund, o narigudo que mais tarde encarnaria o famigerado Freddy Krueger da série A hora do pesadelo), ato que faz com que a dona do bordel expulse-a de lá. Desamparada, ela vai parar justamente no hotel de Judd (Brand), tornando-se assim sua primeira vítima e dando início ao itinerário de horrores que acompanhamos dentro daquele lugar decadente de onde emanam as mais mórbidas sensações.

Através de mortes brutais, Hooper apresenta-nos um modo de fazer cinema absolutamente seco ao qual  pertence uma estética sombria que é capaz de extrair de um fiapo de possibilidade uma pequena, mas importante, demonstração de seu poder de concepção. Eaten alive parece um pesadelo, inquieta, é opaco e praticamente artesanal. Há uma boa dose fúria e o frescor típico de início de carreira.











sexta-feira, 27 de julho de 2012

Goblin: música e cinema

Goblin é uma banda rock progressivo italiana que ficou muito famosa por conta das trilhas sonoras que compôs para os filmes de alguns grandes diretores, em especial para os do conterrâneo Dario Argento. Entre os trabalhos de maior destaque estão os temas de Prelúdio para Matar (Profondo Rosso, 1975), Suspíria (Suspiria, 1977), Tenebre (Tenebre, 1982) e Phenomena (Phenomena,1985), todos dirigidos por Argento. Ainda fazem parte da discografia da banda as contribuições para Despertar dos Mortos (Dawn of the Dead, 1978), de George A. Romero, e Buio Omega (Buio Omega, 1979), de Joe D'Amato.

Assim, Goblin tornou-se uma banda cult apreciada pelo público cinéfilo. Para quem ainda não teve o prazer de ouvir, ou para quem já conhece mas ainda não foi atingido pela qualidade do som (o que eu duvido muito), que é de gelar a espinha, logo abaixo há um vídeo de uma apresentação da banda em um programa da televisão italiana. A música executada é o tema principal de Profondo Rosso. Pura vida!


domingo, 22 de julho de 2012

Ruas selvagens


Ruas selvagens (Savage streets, 1984) poderia ser definido como a pura materialização da fúria e inconsequência juvenil da hoje já distante década de 1980. Dirigido pelo pouco quisto Danny Steinmann, que esteve à frente do não menos execrado Sexta-feira 13 - Parte V: Um novo começo (Friday the 13th: A New Beginning, 1985), o filme conta a história de uma garota chamada Brenda, interpretada por Linda Blair (a menina de O Exorcista), que lidera um grupo de garotas doidivanas que estudam em uma típica escola dos EUA, isto é, em um lugar onde podemos encontrar uma grande lista de arquétipos dessa estirpe de cinema como líderes de torcida gostosas, professores trouxas, diretor linha-dura, galera barra-pesada etc.


As garotas se envolvem com uma gangue, os Scars, depois que os membros desta quase atropelam a irmã de Brenda, Heather (personagem interpretada por Linnea Quigley, linda figurinha carimbada de muitas produções bagaceiras). Após esse episódio a coisa foge do controle, pois surge uma imensa discórdia entre os dois grupos que culmina no estupro de Heather e, lá pelas tantas, num assassinato que irá finalmente fazer com que a ira da protagonista exploda de uma vez. Quando Brenda decide tentar eliminar todos os Scars, o filme ganha certa força.

Ruas selvagens é aquela coisa para quem tem curiosidade e apreço pelo que há de mais extravagante em termos de filme sobre vingança, um esporro elevado à ultima potência do divertimento barato e até mesmo nonsense. Sobram peitos à mostra, inclusive os de Blair, cenas de violência, palavrões e rock 'n' roll. Em certos momentos lembrava, sempre levando em consideração as devidas e enormes diferenças (de qualidade, principalmente), dos filmes de rua de Abel Ferrara, como O assassino da furadeira (The driller killer, 1979) e Sedução e Vingança (Ms. 45, 1981), e também, claro,  de alguns filmes de gangue populares nos anos 70 e 80.



O produto que Steinmann entrega, quando não se perde em seus furos e em alguns exageros, consegue ser  interessante, principalmente para quem gosta das mais desconjuntadas reflexões sobre juventude ou simplesmente não se aguenta de curiosidade quando o assunto é aquele filme de gosto duvidoso que muitos não ousam assistir ao lado da família em uma noite animada de sábado.

segunda-feira, 12 de março de 2012

A fúria

Filme do mestre Brian De Palma que não é unanimidade entre seus admiradores, mas com certeza possuidor de momentos clássicos como a cena abaixo.


O chicote e o corpo


O chicote e o corpo (La frusta e il corpo, 1963) é Mario Bava em estado cristalino. É tudo que se poderia esperar de seu autor enquanto artista da imagem, dos caleidoscópios etc. Artesão de tudo que sumariza o viés fantástico do cinema italiano.

Aqui vemos Christopher Lee na pele de um sádico nobre, rejeitado por pai e irmão, amaldiçoado pelas palavras de uma mãe que perdera a filha por sua culpa. Kurt Melinff  (Lee) retorna aos seus com o objetivo de reaver aquilo que lhe é de direito, incluindo o amor de Nevenka (Daliah Lavi), agora prometida a seu irmão. É um filme sobre interdependência espiritual. Chicote e corpo são a materialização do desejo, da dor deliciosamente infligida e recebida, são o sexo em metáfora. Nevenka ama Kurt, e este é misteriosamente morto. Seu espírito volta para em noites lúgubres perturbar a paz da amada. Outra pessoa é assassinada e um círculo de delírios assume toda a responsabilidade daí em diante.

O chicote com que Kurt açoita Nevenka é ele próprio em metonímia, pois o objeto é parte indissociável de si.  A ela resta oferecer o corpo, a peça de perfeito encaixe, o correspondente inevitável nesse ritual ( aquilo que se repete). Tanto é assim que nos minutos finais diante de nós é contruída uma imagem que representa a limitação do casal a um só ser, sendo que por último vemos a destruição do chicote  tomar toda a tela; ele arde tal qual os mais sinceros desejos dos protagonistas.

E todo o mistério se resume a algo que está no interior de uma dessas personagens, a algo que sobrevive em uma instância afetiva  e que se derrama sobre a tela como um conto de terror aparentemente raso, mas bonito, porque o importa é a materialização, por mais inconcebível que seja, de tudo o que for possível, através daquilo que simplesmente chamamos de cinema.