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segunda-feira, 12 de março de 2012

O chicote e o corpo


O chicote e o corpo (La frusta e il corpo, 1963) é Mario Bava em estado cristalino. É tudo que se poderia esperar de seu autor enquanto artista da imagem, dos caleidoscópios etc. Artesão de tudo que sumariza o viés fantástico do cinema italiano.

Aqui vemos Christopher Lee na pele de um sádico nobre, rejeitado por pai e irmão, amaldiçoado pelas palavras de uma mãe que perdera a filha por sua culpa. Kurt Melinff  (Lee) retorna aos seus com o objetivo de reaver aquilo que lhe é de direito, incluindo o amor de Nevenka (Daliah Lavi), agora prometida a seu irmão. É um filme sobre interdependência espiritual. Chicote e corpo são a materialização do desejo, da dor deliciosamente infligida e recebida, são o sexo em metáfora. Nevenka ama Kurt, e este é misteriosamente morto. Seu espírito volta para em noites lúgubres perturbar a paz da amada. Outra pessoa é assassinada e um círculo de delírios assume toda a responsabilidade daí em diante.

O chicote com que Kurt açoita Nevenka é ele próprio em metonímia, pois o objeto é parte indissociável de si.  A ela resta oferecer o corpo, a peça de perfeito encaixe, o correspondente inevitável nesse ritual ( aquilo que se repete). Tanto é assim que nos minutos finais diante de nós é contruída uma imagem que representa a limitação do casal a um só ser, sendo que por último vemos a destruição do chicote  tomar toda a tela; ele arde tal qual os mais sinceros desejos dos protagonistas.

E todo o mistério se resume a algo que está no interior de uma dessas personagens, a algo que sobrevive em uma instância afetiva  e que se derrama sobre a tela como um conto de terror aparentemente raso, mas bonito, porque o importa é a materialização, por mais inconcebível que seja, de tudo o que for possível, através daquilo que simplesmente chamamos de cinema.

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